Um blogue sobre a arte de doar o corpo à docência. Uma dádiva divertida, cansativa, emocionante mas nunca, nunca monótona.
domingo, 15 de dezembro de 2013
# 12 Queda
Mal toca, a euforia toma
conta dos miúdos. Impacientes por saírem do redil, trotam em direção ao recreio
em algazarra. Se é difícil domá-los dentro de uma sala, num espaço aberto é
ainda pior. Correm, saltam, fazem pinos e acrobacias, tropeçam, caem e
magoam-se. E os perigos estão em todo lado. Sobretudo na cabeça dos professores
novatos, para quem cada pedra é um gume afiado, um baloiço uma catapulta, um
chão de cimento um ameaçador quebra cabeças... Milagrosamente, os miúdos vão
sobrevivendo aos intervalos. A teacher,
nem por isso. É uma agonia de trinta minutos, em constante aflição. Com o
tempo, vamo-nos habituando ao papel de guardador de rebanho endiabrado. A custo,
lá começamos a confiar um pouco mais na elasticidade e resistência das
criaturinhas. “Isso passa!”; “Está tudo bem, não é nada.”; “És resistente como
o Ronaldo”. Um afago, um pouco de gelo e siga a festa. Mas às vezes, é mesmo a
sério. E se qualquer arranhão que meta sangue provoca comoção geral,
imaginem a cena quando o pequeno Abel fendeu a testa num choque frontal com a
esquina da escola; ou quando a Andreia tropeçou nos pés e partiu o nariz. A
histeria do séquito alarmado sobrepõe-se ao da vítima. Entre a dor e o
atordoamento, o ferido nem sabe bem o que lhe aconteceu. Aos poucos, com tal
gritaria dos pares começa também a berrar e o pânico dos adultos, ainda que
disfarçado, está a prestes a transparecer. Pior foi quando os miúdos vieram a
correr dizer à “teacher” que a Leonor tinha caído nas escadas. Como era coisa
vulgar, despachei-os com um “Já passa”. “Mas ela não se levanta, ticher”,
insistem. Corro até às escadas e não a vejo. “Ali, em baixo, ticher, ali”. As testemunhas atropelam-se no relato. A miúda tinha-se sentado no parapeito do primeiro andar, começado a balançar até a gravidade fazer o que costuma fazer.
A
Leonor estava estatelada de costas no rés-do-chão. Gelei de pavor.
Entretanto
já mais adultos haviam ocorrido. A despeito do aparato, as
consequências até foram ligeiras: uma vértebra magoada. A sorte foi a
mochila. Amorteceu-lhe a queda. Mas cá para mim foi mais uma evidência
que "ao miúdo e ao borracho põe Deus a mão por baixo".
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Faz-me lembrar a minha infância.
ResponderEliminarCarlos
Pois faz! Só que eu andava esquecida do que são as tropelias de criança. Como raio sobrevivemos? :)
ResponderEliminarCertamente mais fortes do que antes :)
EliminarRosarinho