terça-feira, 21 de janeiro de 2014

# 13 Jogo

Os miúdos adoram jogar. Batize-se qualquer tarefa com nome de “jogo” e acabam-se as as caras contrafeitas. Não importa se o jogo de hoje foi o exercício chato no dia anterior. Eles nem notam. A alteração semântica transforma todo um estado de espírito. Um jogo é brincadeira, mas é uma brincadeira especial porque não é só um momento de diversão, é uma oportunidade para vencer. E vencer é o que todos querem. A competição pode até ser minimizada com umas palavras politicamente corretas, do género “o que importa é participar”; “ganhamos todos, pois estamos a divertir-nos”. Mesmo que acenem e digam que sim, lá no fundo sabem que só se ganharem ficarão contentes. Com a derrota vem a frustração, os lamentos pela forma injusta como decorreu o jogo, os soluços reprimidos ou mesmo o choro incontrolado. Os mais desabridos não se fazem rogados e tentam agredir o vencedor ou equipa vencedora. Se a maior parte não sabe perder, não sabe igualmente ganhar. Quem vence regozija-se despudoradamente. Exibe-se e apouca os que não conseguiram o feito, mesmo em se tratando de um jogo de pura sorte, como o Bingo. Há dias anunciei um jogo e disse que ia haver prémio. Apurados os vencedores, dei-lhes os parabéns e disse-lhes que o que interessava era participar. Que sim, que era isso mesmo, assentiram os ganhadores. “Bravo” Então o prémio vai para os dois meninos que perderam e que estão muito tristes. Vocês já ganharam e só isso já é um grande prémio”, asseverei sorridente. Incrédulos, ficam sem palavras a ver-me dar um chocolate a cada perdedor. Sem perceberem muito bem o que se tinha passado, os derrotados passam das lágrimas ao sorriso triunfante num ápice. É vê-los a exibir o troféu, como se o tivessem ganho. A estupefação inicial deixa a turma sem pio, mas a revolta é irreprimível. Ou há justiça ou comem todos, lê-se nos rostinhos indignados. Apresso-me a distribuir uma guloseima a cada um e a restabelecer a ordem. Pior que perder é ter um mundo às avessas.

1 comentário:

  1. As reacções dos miúdos revelam o instinto de sobrevivência: vencer é o mais importante!

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