Obviamente
que nem todos os pequenos são mal-educados. E é lindo, por exemplo, vê-los a tentar
acertar na forma de tratamento: “Na sua casa tens varanda?” ou “O vosso filho
tem que idade?” Outros mostram conhecer o valor da delicadeza. O Francisco, ao ameaçar
o João no intervalo, dizendo que o mata se este não lhe der o Beyblade, emenda a
mão mal o admoesto: “Dá-me isso se não mato-te… se faz favor…”. Mas o cúmulo
da educação é a menina que pede civilizadamente a palavra, pondo o dedo no ar,
e depois se sai com um desconcertante: “Ticher, posso ir lá fora tirar macacos
do nariz?”; Ou quando outra me informa, em frente de toda a turma, e com ar
muito composto “Ticher, estou a tomar um remédio que me faz dar puns”. Um
estrondo.
Um blogue sobre a arte de doar o corpo à docência. Uma dádiva divertida, cansativa, emocionante mas nunca, nunca monótona.
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
# 11 Educação
Mal pus os pés numa sala de aula percebi o eufemismo da expressão “ensinar
inglês”. Gerir conflitos, dar mimo e colo, apaziguar egos feridos, disciplinar,
apertar sapatos e cintos, desemperrar fechos, abrir os iogurtes e afins, ser
socorrista, ensinar a ter hábitos de higiene... tudo tarefas inescapáveis nesta
coisa que é ensinar, mas subtilmente omitidas na job description. Ser pai ou mãe não será muito diferente, certo? Pois,
mas no caso dos professores multiplicado por 20 ou 30 e sem a prerrogativa de sermos nós a decidir o
que comem, o que vestem, se usam brincos ou cristas com gel, se ficam acordados
até às tantas a ver a “Casa dos Segredos” - ou algo de calibre similar -, ou se
são castigados pela linguagem obscena e atitudes agressivas. A quem os espera
na escola resta apenas tentar remediar os efeitos da (des)educação em casa.
sexta-feira, 18 de outubro de 2013
# 10 Mimos
Os pequenos terroristas podem ser encantadores. Nessas
ocasiões renova-se o amor à profissão e o ego rejubila. Pode até ser lisonja
descarada ou uma esperteza recém-adquirida mas miminhos são miminhos e sabem bem
na mesma. E se forem acompanhados de um belo sorriso desdentado e covinhas
encantadoras, então não há quem resista. Olhem a sorte, receber abraços,
beijinhos e festinhas a toda a hora? E se são competitivos no resto, na disputa
pelo mais amoroso também não se acanham. Quando algum se lembra de dar uma flor
à teacher é quase certo que algum
canteiro vai ficar depenado. As muitas missivas de “Gosto da purfesôra (e
variantes)” - e respetivo desenho, invariavelmente eu e o admirador(a) - que vou guardando são também o resultado dessa contenda
pelo título “eu é que sou o mais fofinho e querido para a teacher”. Nos intervalos, conquistar a mão da teacher é troféu
apetecido. Fosse eu um polvo e ainda assim não teria tentáculos suficientes
para satisfazer a procura.
No segundo dia de aulas, uma menina confessou que
tinha ido à internet para ver como se dizia “bonita” em inglês. “Então porquê?”.
“Queria dizer que és muito piti”. Ohhh,
não é de derreter? Pretty! Não só
quis elogiar-me como foi aprender inglês para casa. Foi o céu. Mas divino mesmo
foi saber que a benjamim da turma, de cinco anos, gostava muito das aulas da “maigode”. Os meus constantes "Oh, my God" valeram-me o epíteto e até as funcionárias já o adotaram. Agora, o meu nome é god, my god!
domingo, 6 de outubro de 2013
# 9 Delatores
Podemos saber muito
inglês, podemos conhecer as estratégias pedagógicas, ter materiais e
equipamentos cinco estrelas, se os miúdos estiverem a matar-se, as únicas
estrelas que irão apreciar serão mesmo as dos galos na cabeça. Antes de entrar
numa sala de aula devia ser obrigatório frequentar um curso em gestão de
conflitos. “Ó ticher ele no intervalo bateu-me.” “Mas ticher, ele bateu-me
primeiro.” “Pois, mas ele mostrou-me o dedo.” “ E ele disse que a minha mãe
era pê-u-tê-a...” O tempo que se perde nisto [suspiro]: ouvir as queixas, admirar os
“galos” e os joelhos esfolados, a acalmar ânimos inflamados e a impedir que se
peguem novamente. Como não tenho olhos na nuca e nem me consigo desdobrar,
inventei que o detetor de incêndios era uma câmara. Para os mais céticos, saco também
do telemóvel e mostro que estou a gravar e que depois a cópia dessas gravações
vai diretamente para o telemóvel do papá ou da mamã. Lá se vai dominando a
turba que, embora agitada, é ainda muito ingénua. Ainda assim, a tática da
delação é mais eficaz para controlar o comportamento. Os miúdos adoram fazer
queixinhas. Chegam a levantar o dedo para denunciar que o colega está a mascar
uma pastilha! Detesto encorajar a “chibice”, mas às vezes, tem de ser. Escolhe-se
de entre os voluntários, em regra todos o são, e pede-se que fique a apontar os
nomes dos colegas que se portaram mal. E com que denodo desempenham tal tarefa!
Apontam até se o parceiro se levantou para pôr qualquer coisa no cesto do lixo.
É assustador o prazer sádico com que criaturas tão pequenas se entregam à nobre
tarefa de lixar o coleguinha. De pequenino...
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