Um blogue sobre a arte de doar o corpo à docência. Uma dádiva divertida, cansativa, emocionante mas nunca, nunca monótona.
domingo, 6 de outubro de 2013
# 9 Delatores
Podemos saber muito
inglês, podemos conhecer as estratégias pedagógicas, ter materiais e
equipamentos cinco estrelas, se os miúdos estiverem a matar-se, as únicas
estrelas que irão apreciar serão mesmo as dos galos na cabeça. Antes de entrar
numa sala de aula devia ser obrigatório frequentar um curso em gestão de
conflitos. “Ó ticher ele no intervalo bateu-me.” “Mas ticher, ele bateu-me
primeiro.” “Pois, mas ele mostrou-me o dedo.” “ E ele disse que a minha mãe
era pê-u-tê-a...” O tempo que se perde nisto [suspiro]: ouvir as queixas, admirar os
“galos” e os joelhos esfolados, a acalmar ânimos inflamados e a impedir que se
peguem novamente. Como não tenho olhos na nuca e nem me consigo desdobrar,
inventei que o detetor de incêndios era uma câmara. Para os mais céticos, saco também
do telemóvel e mostro que estou a gravar e que depois a cópia dessas gravações
vai diretamente para o telemóvel do papá ou da mamã. Lá se vai dominando a
turba que, embora agitada, é ainda muito ingénua. Ainda assim, a tática da
delação é mais eficaz para controlar o comportamento. Os miúdos adoram fazer
queixinhas. Chegam a levantar o dedo para denunciar que o colega está a mascar
uma pastilha! Detesto encorajar a “chibice”, mas às vezes, tem de ser. Escolhe-se
de entre os voluntários, em regra todos o são, e pede-se que fique a apontar os
nomes dos colegas que se portaram mal. E com que denodo desempenham tal tarefa!
Apontam até se o parceiro se levantou para pôr qualquer coisa no cesto do lixo.
É assustador o prazer sádico com que criaturas tão pequenas se entregam à nobre
tarefa de lixar o coleguinha. De pequenino...
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