Um blogue sobre a arte de doar o corpo à docência. Uma dádiva divertida, cansativa, emocionante mas nunca, nunca monótona.
sábado, 14 de setembro de 2013
#6 Nomes
Confrontada com dez turmas, um
dos desafios era memorizar o nome daqueles catraios todos. Nunca quis ser
daqueles professores que passam o tempo todo a apontar e a dizer coisas como:
“A menina lá do fundo. Sim, a de rosa. Não, não, a colega do lado.” Saber quem
era quem, era ponto de honra. Claro que etiquetas de nome à frente de cada um
ajudavam. Fiz brilharetes nas primeiras aulas dirigindo-me a cada um sempre
pelo nome. “Maria, estás a perceber?”. A Maria não respondia. Fingia que não
era nada com ela. Repeti a pergunta. Nada. Dirijo-me ao seu lugar e pergunto
novamente, olhos nos olhos, com calma e com um sorriso de pedagoga
experimentada: “Maria, querida, estás a perceber o que é para fazer?” Lá acaba
por responder, tímida e sem me olhar muito a direito: “Sim, ticher”. Volto para a frente da classe.
Nova interpelação à Maria, e repete-se o silêncio incomodado. Claramente aquele
anjinho de olhos azuis e caracóis louros pelos ombros era acanhado. Tinha de
conseguir pô-la à vontade. Rápida no raciocínio, reparo que na sua etiqueta
estava “Maria Inês”. Perspicaz, achei ter percebido a relutância da menina.
“Deve estar habituada a ser tratada por Inês!” E, se bem o pensei, logo o
declarei, contente comigo própria e em frente de toda a turma: “Ah, preferes
que a teacher te chame Inês, é?” E
diz uma vozinha sumida: “Ticher, eu
sou o Flávio. A professora de música é que me mudou de lugar”. Mas claro! Se tivesse
um buraco… Trocar o nome ainda passa, agora o sexo da criança?! Vá lá, ao menos
parecia-se com um anjo, e os anjos, esses, não têm sexo.
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