sábado, 7 de setembro de 2013

#1 Vocações

Havia os que queriam ser polícias, astronautas ou bombeiros. As meninas deliravam imaginando-se modelos ou atrizes. Eu queria ser professora. Não sei muito bem o que encontrava eu de tão fascinante em tal ocupação, mas era professora que dizia querer ser. Alinhava as bonecas, e a minha irmã mais nova, e toca de lhes debitar arengas que imaginava serem próprias do ofício de ensinar. Ainda sem saber ler ou escrever agarrava em livros e descodificava-os à minha maneira, obrigando a audiência a ouvir-me. As bonecas nunca se queixaram e os sorrisos felizes eram recompensa suficiente. Podia até castigá-las, e nem isso esmorecia o semblante radioso. É claro, não gostava de as castigar. Ou se calhar, só um poucochinho. Mas que raio de professora seria eu se não soubesse impor a disciplina? E depois, era para o bem delas que o fazia. Era meu dever incutir naquelas cabecinhas ocas o conhecimento. Fosse lá isso o que fosse. E parte do encanto de ser “a professora” era poder mandar. Receio que os trejeitos da minha irmã não fossem sempre tão prazerosos quanto os das colegas, mas em todas as classes tinha de haver a menina malcomportada. A bem ou a mal, achava que a conseguiria convencer da importância de estar quieta, de aguentar os monólogos sem fim e a concordar sempre com o que a “professora” dizia. A coisa quase sempre descambava em gritos, puxões de cabelo e na mana mais pequena a correr para a mãe a fazer queixinhas, acabando eu a ter de ir pregar para outra freguesia. Ainda tentei o mano mais velho, mas esse já tinha outra escola e quem acabava a fugir era eu.

2 comentários:

  1. Há aqui algo de metafórico: os (bonecos), acéfalos dão a sensação de que tudo aceitam e nada contestam, com expressão inalteradamente feliz.
    Quem, dos poderosos deste Mundo, não gostaria de ter um eleitorado assim (programado para exercer o seu "direito" de voto), agindo de acordo com as seus desígnios?!!

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  2. Ainda que não tenho tido a intenção, a leitura que faz tem todo o sentido. A subtileza está, muitas vezes, nos olhos e na mente de quem lê.

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